Por Jânsen
Leiros Jr.
Como
a propaganda oficial tenta esconder a realidade brasileira por trás de jingles
e sorrisos ensaiados.
George Orwell —
Escritor e ensaísta britânico – “A propaganda é à democracia o que a violência é
à ditadura.”
Hannah Arendt — Filósofa política alemã – “O maior inimigo da verdade não é a mentira deliberada, mas a banalização da realidade.”
Aldous Huxley — Escritor e filósofo britânico, autor de "Admirável Mundo Novo" – “A tirania perfeita será aquela que parecer uma democracia, mas que na verdade será uma prisão sem muros, onde os prisioneiros não sonharão com a fuga porque amarão sua servidão.”
Há
uma névoa que paira sobre o país — e não é a do clima. É a névoa produzida por
jingles, slogans e campanhas de governo que tomam conta da mídia como um
bálsamo ensaiado, tentando convencer o povo de que tudo vai bem, mesmo quando o
chão falta debaixo dos pés.
Nos
últimos anos, o governo federal reativou sua máquina de propaganda com uma
voracidade que beira o desespero. Não se trata de comunicar ações ou prestar
contas à população. Trata-se de salvar imagem, de revestir um desgaste
crescente com a maquiagem cara das campanhas institucionais. Não é publicidade,
é pregação política travestida de prestação de serviço.
Enquanto
o brasileiro comum luta para entender o preço da gasolina, o corte no orçamento
das universidades, a fila do SUS ou a insegurança nas ruas, o governo entope os
meios de comunicação com mensagens otimistas, produzidas para estancar o
derretimento nas pesquisas. O alvo não é a verdade — é a percepção. E como já
dizia o velho Goebbels, "uma mentira repetida mil vezes vira
verdade".
Para
contextualizar, em 2015, sob o governo Dilma Rousseff, os gastos com publicidade
federal caíram para R$ 1,864 bilhão, representando uma redução de 24,1% em
relação ao ano anterior. No primeiro ano do governo Bolsonaro, em 2019, os
gastos foram de R$ 935 milhões. Em contraste, a previsão para 2025, sob o atual
governo, é de até R$ 3,5 bilhões em contratos de publicidade, abrangendo
ministérios, bancos e estatais.
Esse
fenômeno não começou ontem. Mas o que se vê agora é um salto qualitativo e
eticamente perturbador: os gastos com publicidade federal se concentram em
agências de publicidade com histórico de proximidade com o governo, algumas
delas reincidentes em contratos milionários, muitas vezes sem o devido processo
de concorrência transparente. Além disso, os veículos de comunicação escolhidos
para veicular as campanhas são criteriosamente alinhados à simpatia editorial
para com o governo — ou, ao menos, à ausência de crítica contundente. Ora, não
há brasileiros assistindo a outras emissoras? A intenção, em princípio, não é
comunicar e conscientizar os cidadãos? Então os critérios deveriam ser técnicos
e não políticos.
Basta
observar que jornais e redes independentes, de linha mais crítica, foram
paulatinamente excluídos da lista de beneficiários das verbas publicitárias
federais, enquanto grupos tradicionais e portais favoráveis ao discurso oficial
viram suas cotas aumentarem expressivamente. A publicidade estatal, que deveria
seguir parâmetros impessoais e republicanos, transformou-se em moeda de troca
por apoio, silêncio ou alinhamento ideológico. Não se premia o alcance, mas a
conveniência. É a velha prática do “quem cala, recebe” — reeditada com
sofisticação institucional. A máquina pública se move como uma engrenagem de
campanha antecipada, sem dizer que é campanha, sem admitir que já se mira 2026.
E
é aí que mora o escândalo. Porque quando a verba da publicidade pública vira
instrumento de manipulação de consciência coletiva, o Estado se torna um
vendedor de ilusões. E o povo, um consumidor forçado de propaganda paga com seu
próprio imposto.
Enquanto
o país é inundado por campanhas que exaltam avanços e “conquistas”, os números
da realidade seguem em direção oposta — fria, dura, inegável. O endividamento
das famílias brasileiras permanece elevado, com 77% das famílias endividadas em
2024, sendo que 29,4% relataram dívidas em atraso e 12,9% afirmaram não ter
condições de quitá-las. Entre as famílias de menor renda (0 a 3 salários
mínimos), o endividamento aumentou para 81,1%, com 37,5% relatando dívidas em
atraso.
A
população em situação de rua aumentou aproximadamente 25% no último ano,
passando de mais de 261 mil em dezembro de 2023 para quase 328 mil no fim de
2024. Esse número é 14 vezes superior ao registrado onze anos atrás, quando
havia 22.922 pessoas vivendo nas ruas no país. A Região Sudeste concentra 63%
dessas pessoas, com destaque para o estado de São Paulo, que representa 43% do
total.
O
desemprego diminuiu, é verdade — mas foi substituído por ocupações informais,
intermitentes ou de baixíssima remuneração. Cresce o número de brasileiros
sobrevivendo como “autônomos compulsórios”: motoristas de aplicativo,
entregadores, ambulantes, freelancers à deriva — muitos dos quais sequer
contribuem para a previdência e tampouco têm acesso pleno a direitos
trabalhistas básicos.
E,
por fim, enquanto o governo anuncia feitos grandiosos na educação e na saúde,
faltam remédios nos postos, segurança nas escolas e estrutura nos hospitais. A
retórica das propagandas se choca com o cotidiano dos cidadãos comuns, que
esperam por cirurgias, enfrentam salas de aula lotadas e percorrem longos
trajetos em busca de atendimento.
A
realidade não precisa de slogans. Ela fala sozinha. E quando ela grita, a
propaganda se torna não apenas inócua — mas criminosa.
Há
algo profundamente perigoso no uso reiterado da máquina publicitária estatal
como instrumento de anestesia coletiva. Não se trata mais de mera comunicação
institucional — aquela que informa, orienta, presta contas. O que temos é uma
orquestra de narrativas cuidadosamente selecionadas, com trilhas otimistas,
atores sorridentes e mensagens plastificadas, tentando colar um país imaginário
sobre um país real e sofrido.
Enquanto
o povo se aperta para pagar as contas, vive de bicos ou dorme sob marquises, o
governo transmite uma ilusão de prosperidade. Como um mágico de auditório,
esconde a realidade com movimentos teatrais e luzes artificiais. E nessa
encenação cara e contínua, paga com o suor do contribuinte, transforma a dor
coletiva em espetáculo palatável — e a gestão pública em marketing de vitrine. Não
se trata de comunicação — mas de sedação.
O
que está em jogo é mais do que um orçamento turbinado: é o próprio pacto
democrático. Porque um governo que precisa gritar nos intervalos comerciais
para parecer que governa, já não governa. Apenas encena.
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Fontes e Referências
DADOS SOBRE GASTOS COM
PUBLICIDADE GOVERNAMENTAL:
- Portal da Transparência (Governo
Federal)
- https://www.portaltransparencia.gov.br/
- Fonte oficial para consulta de
despesas públicas, inclusive com publicidade institucional e de utilidade
pública.
- Controladoria-Geral da União (CGU)
- Relatórios anuais de execução
orçamentária.
- Utilizada para verificar
comparativos de gastos por governo.
- Secom/PR – Secretaria de
Comunicação da Presidência da República
- Publicações e comunicados oficiais
sobre planos de mídia e contratação de agências.
- Usada como base para projeções e
contratos atuais (governo 2025).
- Notícias da imprensa (sobre
previsões de gastos publicitários)
- Estadão, Folha, CNN Brasil, O
Globo, Poder360, Agência Pública.
- Exemplo:
- CNN Brasil – “Governo federal
prevê gastar até R$ 3,5 bilhões com publicidade em 2025”
DADOS SOCIOECONÔMICOS:
- Pesquisa de Endividamento e
Inadimplência do Consumidor (Peic) – CNC (Confederação Nacional do
Comércio de Bens, Serviços e Turismo)
- https://www.cnc.org.br
- Fonte para dados sobre
endividamento, inadimplência e renda familiar.
- IBGE – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística
- PNAD Contínua (desemprego e
informalidade).
- Dados utilizados para compor o
trecho sobre ocupações informais e trabalho precário.
- IPEA – Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada
- Estudos sobre população em
situação de rua.
- Dados usados para o trecho sobre o
aumento da população sem moradia (2023–2024).
- Relatório técnico IPEA 2024

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