segunda-feira, 24 de março de 2025

Utopias Sociais: Reflexões sobre o Conceito de Ócio Criativo e Outras Visões Ideais

Por Jânsen Leiros Jr. 

John Maynard Keynes – "Dentro de cem anos, nossa principal preocupação será como usar nosso tempo livre." (Possibilidades Econômicas para os Nossos Netos) 

Max Weber – "A ética protestante e o espírito do capitalismo criaram uma mentalidade onde o trabalho não é apenas um meio de sobrevivência, mas um fim em si mesmo." (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo) 

Recentemente, deparei-me com uma discussão que resgatava um tema recorrente em tempos de avanço tecnológico acelerado: a promessa de um futuro sem trabalho, no qual a automação e a inteligência artificial libertariam o ser humano das obrigações laborais, permitindo-lhe uma vida dedicada ao ócio criativo e à realização pessoal. Essa visão, popularizada por autores como Domenico De Masi, desperta tanto entusiasmo quanto ceticismo. Para alguns, trata-se de um caminho natural do progresso, um ponto inevitável na evolução das sociedades. Para outros, é apenas mais uma utopia reservada a uma elite privilegiada.

A ideia de que o progresso humano permitiria às pessoas viverem mais livres, dedicadas à criatividade e ao aprendizado, não é nova. Desde Aristóteles, que afirmava que a contemplação era a mais alta forma de vida, passando por Karl Marx, que via o trabalho alienado como um mal a ser superado, até o sociólogo italiano Domenico De Masi, a promessa de um mundo onde o trabalho se misturaria ao lazer e à educação sempre esteve presente.

Mas essa visão resiste à realidade? O conceito de ócio criativo proposto por De Masi reflete uma possibilidade concreta ou apenas uma utopia reservada a uma elite? Para responder a essa questão, é necessário confrontar o ideal com a realidade, analisando não apenas o pensamento de De Masi, mas também os argumentos de seus críticos e os desafios estruturais que impedem sua concretização.

O Que é o Ócio Criativo?

Domenico De Masi, em obras como O Ócio Criativo (2000), defende que a sociedade pós-industrial permite que o trabalho deixe de ser mecânico e opressor, tornando-se mais intelectual, autônomo e prazeroso. Para ele, a tecnologia reduziria a necessidade de trabalho manual, permitindo que os indivíduos combinassem trabalho, lazer e aprendizado em uma simbiose produtiva e prazerosa.

Os pilares do ócio criativo:

  • Trabalho prazeroso – O trabalho não deve ser uma obrigação alienante, mas sim algo que estimule a criatividade.
  • Aprendizado constante – O conhecimento deve ser contínuo, e não algo restrito a uma fase da vida.
  • Lazer produtivo – O descanso não é mera ociosidade, mas um espaço fértil para ideias inovadoras.

Para De Masi, esse modelo se tornaria dominante à medida que a tecnologia substituísse o trabalho repetitivo e o mundo migrasse para uma sociedade do conhecimento, onde a criatividade seria o principal motor da economia.

As Críticas ao Ócio Criativo: Utopia para Poucos?

Apesar de seu apelo inspirador, o conceito de ócio criativo enfrenta críticas severas. Seus opositores argumentam que o modelo de De Masi é elitista e ignora a desigualdade estrutural do capitalismo. Entre os principais pontos críticos estão:

O Trabalho Alienado Ainda é a Regra

Karl Marx, em O Capital (1867), descreveu como o capitalismo impõe uma lógica de exploração do trabalho, transformando o operário em um ser alienado de sua própria produção. Esse cenário não mudou substancialmente: milhões de trabalhadores continuam em empregos repetitivos, mal remunerados e sem perspectiva de mobilidade social. Enquanto uma elite criativa pode usufruir de maior flexibilidade, a imensa maioria da população mundial continua presa ao modelo tradicional de trabalho opressivo.

A Automação Não Liberta – Ela Desemprega

De Masi afirma que a automação reduziria o trabalho braçal, permitindo às pessoas se dedicarem ao lazer e ao aprendizado. No entanto, autores como David Graeber, em Bullshit Jobs (2018), argumentam que a automação tem criado dois efeitos colaterais:

  1. A destruição de empregos tradicionais, deixando milhões de pessoas desamparadas.
  2. A criação de "trabalhos de fachada", onde muitos empregados executam funções burocráticas inúteis apenas para manterem a ilusão de produtividade.

O sociólogo francês Pierre Bourdieu também criticou essa lógica, afirmando que o acesso à educação e à tecnologia não ocorre de forma igualitária, perpetuando a exclusão social.

O Ócio Criativo Depende do Trabalho Opressivo de Outros

O filósofo Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço (2010), aponta que, longe de vivermos uma era de liberdade, estamos mais exaustos do que nunca, pressionados pela hiperconectividade e pela exigência de sermos produtivos até no lazer. Além disso, o suposto “ócio criativo” só é possível porque há uma base de trabalhadores realizando serviços essenciais, como entregadores, operários, faxineiros e balconistas.

O Avanço Tecnológico: Libertação ou Nova Forma de Exploração?

Desde a Revolução Industrial, ouvimos que as máquinas permitiriam aos humanos trabalhar menos e viver melhor. No entanto, a história mostra que os avanços tecnológicos frequentemente resultam em:

  • Desemprego estrutural – Trabalhadores substituídos por máquinas sem um plano de requalificação.
  • Concentração de riqueza – Empresas de tecnologia acumulam lucros enquanto milhares perdem seus empregos.
  • Trabalho precarizado – A “economia do bico” (uberização) força trabalhadores a se tornarem autônomos sem direitos trabalhistas.

Como apontado pelo economista Thomas Piketty, em O Capital no Século XXI (2013), a tecnologia tende a aprofundar as desigualdades sociais, beneficiando aqueles que já possuem acesso ao capital e à educação.

Mudanças Estruturais Necessárias

Para que ideias como a de De Masi sejam aplicadas de forma ampla e justa, serão necessárias mudanças profundas na estrutura econômica e social. Algumas delas incluem:

  • Redução da jornada de trabalho.
  • Implantação de uma renda básica universal.
  • Requalificação profissional gratuita.
  • Reformas tributárias progressivas.

Nos próximos textos, discutiremos cada uma dessas mudanças em profundidade, analisando sua viabilidade e impactos para uma sociedade mais equitativa. Afinal, o ócio criativo pode ser mais do que uma utopia distante, mas para isso, precisaremos reformular profundamente as bases estruturais que sustentam o mundo do trabalho tal como o conhecemos.

 

 


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