Por Jânsen Leiros Jr.
John Maynard Keynes – "Dentro de cem anos, nossa principal preocupação será como usar nosso tempo livre." (Possibilidades Econômicas para os Nossos Netos)
Max Weber – "A ética protestante e o espírito do capitalismo criaram uma mentalidade onde o trabalho não é apenas um meio de sobrevivência, mas um fim em si mesmo." (A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo)
Recentemente,
deparei-me com uma discussão que resgatava um tema recorrente em tempos de
avanço tecnológico acelerado: a promessa de um futuro sem trabalho, no qual a automação
e a inteligência artificial libertariam o ser humano das obrigações laborais,
permitindo-lhe uma vida dedicada ao ócio criativo e à realização pessoal. Essa
visão, popularizada por autores como Domenico De Masi, desperta tanto
entusiasmo quanto ceticismo. Para alguns, trata-se de um caminho natural do
progresso, um ponto inevitável na evolução das sociedades. Para outros, é
apenas mais uma utopia reservada a uma elite privilegiada.
A
ideia de que o progresso humano permitiria às pessoas viverem mais livres,
dedicadas à criatividade e ao aprendizado, não é nova. Desde Aristóteles, que
afirmava que a contemplação era a mais alta forma de vida, passando por Karl
Marx, que via o trabalho alienado como um mal a ser superado, até o sociólogo
italiano Domenico De Masi, a promessa de um mundo onde o trabalho se misturaria
ao lazer e à educação sempre esteve presente.
Mas
essa visão resiste à realidade? O conceito de ócio criativo proposto por De
Masi reflete uma possibilidade concreta ou apenas uma utopia reservada a uma
elite? Para responder a essa questão, é necessário confrontar o ideal com a
realidade, analisando não apenas o pensamento de De Masi, mas também os
argumentos de seus críticos e os desafios estruturais que impedem sua
concretização.
O
Que é o Ócio Criativo?
Domenico
De Masi, em obras como O Ócio Criativo (2000), defende que a sociedade
pós-industrial permite que o trabalho deixe de ser mecânico e opressor,
tornando-se mais intelectual, autônomo e prazeroso. Para ele, a tecnologia
reduziria a necessidade de trabalho manual, permitindo que os indivíduos
combinassem trabalho, lazer e aprendizado em uma simbiose produtiva e
prazerosa.
Os
pilares do ócio criativo:
- Trabalho prazeroso
– O trabalho não deve ser uma obrigação alienante, mas sim algo que
estimule a criatividade.
- Aprendizado constante
– O conhecimento deve ser contínuo, e não algo restrito a uma fase da
vida.
- Lazer produtivo
– O descanso não é mera ociosidade, mas um espaço fértil para ideias
inovadoras.
Para
De Masi, esse modelo se tornaria dominante à medida que a tecnologia
substituísse o trabalho repetitivo e o mundo migrasse para uma sociedade do
conhecimento, onde a criatividade seria o principal motor da economia.
As
Críticas ao Ócio Criativo: Utopia para Poucos?
Apesar
de seu apelo inspirador, o conceito de ócio criativo enfrenta críticas severas.
Seus opositores argumentam que o modelo de De Masi é elitista e ignora a
desigualdade estrutural do capitalismo. Entre os principais pontos críticos
estão:
O
Trabalho Alienado Ainda é a Regra
Karl
Marx, em O Capital (1867), descreveu como o capitalismo impõe uma lógica de
exploração do trabalho, transformando o operário em um ser alienado de sua
própria produção. Esse cenário não mudou substancialmente: milhões de
trabalhadores continuam em empregos repetitivos, mal remunerados e sem
perspectiva de mobilidade social. Enquanto uma elite criativa pode usufruir de
maior flexibilidade, a imensa maioria da população mundial continua presa ao
modelo tradicional de trabalho opressivo.
A
Automação Não Liberta – Ela Desemprega
De
Masi afirma que a automação reduziria o trabalho braçal, permitindo às pessoas
se dedicarem ao lazer e ao aprendizado. No entanto, autores como David Graeber,
em Bullshit Jobs (2018), argumentam que a automação tem criado dois efeitos
colaterais:
- A destruição de empregos
tradicionais, deixando milhões de pessoas desamparadas.
- A criação de "trabalhos de
fachada", onde muitos empregados executam funções burocráticas
inúteis apenas para manterem a ilusão de produtividade.
O
sociólogo francês Pierre Bourdieu também criticou essa lógica, afirmando que o
acesso à educação e à tecnologia não ocorre de forma igualitária, perpetuando a
exclusão social.
O
Ócio Criativo Depende do Trabalho Opressivo de Outros
O
filósofo Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço (2010), aponta que, longe de
vivermos uma era de liberdade, estamos mais exaustos do que nunca, pressionados
pela hiperconectividade e pela exigência de sermos produtivos até no lazer.
Além disso, o suposto “ócio criativo” só é possível porque há uma base de
trabalhadores realizando serviços essenciais, como entregadores, operários,
faxineiros e balconistas.
O
Avanço Tecnológico: Libertação ou Nova Forma de Exploração?
Desde
a Revolução Industrial, ouvimos que as máquinas permitiriam aos humanos
trabalhar menos e viver melhor. No entanto, a história mostra que os avanços
tecnológicos frequentemente resultam em:
- Desemprego estrutural
– Trabalhadores substituídos por máquinas sem um plano de requalificação.
- Concentração de riqueza
– Empresas de tecnologia acumulam lucros enquanto milhares perdem seus
empregos.
- Trabalho precarizado
– A “economia do bico” (uberização) força trabalhadores a se tornarem
autônomos sem direitos trabalhistas.
Como
apontado pelo economista Thomas Piketty, em O Capital no Século XXI (2013), a
tecnologia tende a aprofundar as desigualdades sociais, beneficiando aqueles
que já possuem acesso ao capital e à educação.
Mudanças
Estruturais Necessárias
Para
que ideias como a de De Masi sejam aplicadas de forma ampla e justa, serão
necessárias mudanças profundas na estrutura econômica e social. Algumas delas
incluem:
- Redução da jornada de trabalho.
- Implantação de uma renda básica
universal.
- Requalificação profissional
gratuita.
- Reformas tributárias progressivas.
Nos
próximos textos, discutiremos cada uma dessas mudanças em profundidade,
analisando sua viabilidade e impactos para uma sociedade mais equitativa.
Afinal, o ócio criativo pode ser mais do que uma utopia distante, mas para
isso, precisaremos reformular profundamente as bases estruturais que sustentam
o mundo do trabalho tal como o conhecemos.
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