Por Jânsen
Leiros Jr.
A
publicidade oficial, ao invés de servir ao público, cada vez mais atua como
agente de persuasão ideológica — remodelando não só o imaginário social, mas
também os próprios sistemas de informação.
George Orwell —
Escritor e ensaísta britânico – “O discurso político é projetado para fazer
mentiras parecerem verdadeiras e o assassinato respeitável, e para dar uma
aparência de solidez ao puro vento.”
Hannah Arendt — Filósofa política alemã – “A essência da propaganda totalitária não é a persuasão, mas a organização da mentira como verdade social.”
Neil Postman — “Estamos nos afogando em informações irrelevantes, enquanto nos tornamos incapazes de discernir o que é verdadeiro, importante ou significativo.”
No
texto anterior[1],
analisamos a crescente e preocupante utilização da publicidade estatal como
instrumento de manipulação da opinião pública. Mas há ainda pontos cruciais que
merecem destaque e aprofundamento.
Além
dos anúncios tradicionais em rádio, TV e jornais, o governo investe pesado em
campanhas digitais que atuam diretamente nos algoritmos das redes sociais. Essa
publicidade estratégica contorna a imprensa tradicional e molda, quase que de
forma invisível, o conteúdo que milhões de brasileiros recebem no feed — muitas
vezes sem que percebam o viés por trás da mensagem.
Esse
tipo de comunicação institucional distorcida não é só um problema de marketing:
é um risco grave para a democracia. Ao priorizar narrativas favoráveis,
silenciando vozes críticas e reduzindo o espaço para o contraditório,
enfraquece-se o senso crítico da população, base fundamental para qualquer
regime democrático saudável.
Essa
distorção não se limita à esfera humana da comunicação. Ela já alcança as
inteligências artificiais. A enxurrada de matérias, postagens e conteúdos
alinhados aos interesses governamentais — muitas vezes travestidos de
jornalismo neutro — acaba alimentando os algoritmos de IA com uma narrativa
única, artificialmente dominante.
O
resultado é que usuários menos experientes, ao recorrerem a assistentes
virtuais ou mecanismos de busca baseados em IA, recebem respostas moldadas por
esse excesso de informações enviesadas. A repetição massiva da mesma
perspectiva gera uma falsa sensação de consenso ou de verdade incontestável,
quando na verdade se trata apenas da força bruta da repetição — uma falação
estratégica que constrói uma realidade fingida, cuidadosamente produzida para
parecer espontânea.
Essa
nova forma de manipulação, sutil e automatizada, agrava o desafio democrático,
pois não apenas influencia consciências, mas também reprograma os instrumentos
que usamos para buscar a verdade. É a propaganda oficial entrando no
código-fonte da realidade percebida.
Importante
lembrar que a Constituição Federal, em seu artigo 37, impõe o princípio da
impessoalidade no uso dos recursos públicos — ou seja, a publicidade
governamental deve informar e servir a toda a sociedade, sem favorecer
interesses políticos ou grupos específicos. Essa regra tem sido repetidamente
desrespeitada nas práticas recentes, configurando não só um desvio ético, mas
um abuso contra o patrimônio público e o próprio cidadão.
A
propaganda estatal, quando usada como ferramenta de auto exaltação,
transforma-se em instrumento de manipulação ideológica. Essa preocupação não é
nova. George Orwell, em 1984, já denunciava o poder da propaganda como
arma de controle social e reconfiguração da realidade. Hannah Arendt, ao
analisar os regimes totalitários, advertia que a repetição massiva de mensagens
governamentais pode remodelar o pensamento coletivo, eliminando o discernimento
crítico e naturalizando o absurdo.
No
campo democrático contemporâneo, autores como Noam Chomsky apontam como
governos, mesmo em sistemas representativos, usam a mídia — muitas vezes aliada
ao poder econômico — para "fabricar consentimento", conduzindo a
opinião pública com técnicas sofisticadas de persuasão. A publicidade oficial,
nesse contexto, deixa de ser serviço público e passa a ser catequese política
disfarçada, onde o cidadão não é mais um interlocutor informado, mas um devoto
condicionado.
O
debate segue, porque a propaganda estatal não pode ser apenas espetáculo — não
é show, nem palanque, muito menos novela de horário nobre. Deve ser, antes de
tudo, responsabilidade e transparência. Quando o governante se torna o
protagonista da própria encenação e transforma a comunicação pública em vitrine
de autopromoção, quem perde é o cidadão, reduzido a plateia passiva de uma
narrativa cuidadosamente roteirizada. Só quando a publicidade institucional
abandonar os truques de ilusionismo e assumir seu papel republicano — de
informar com clareza, ouvir com humildade e prestar contas com verdade — é que
teremos, enfim, uma comunicação que respeita o povo, valoriza o contraditório e
fortalece a democracia. Não com fogos de artifício, mas com luz.






