Por Jânsen Leiros Jr.
Carlos Pereira, cientista político e professor da FGV – Entrevista à BBC Brasil
"O crescimento da extrema-direita
na Europa reflete um descontentamento profundo com a política tradicional.
Crises econômicas, insegurança social e o medo da perda de identidade nacional
são explorados por esses partidos para angariar apoio."
Moisés Mendes, jornalista e analista político – Artigo no El País Brasil
"A ascensão da extrema-direita
não é um fenômeno isolado. Redes sociais amplificam discursos radicais, e
partidos tradicionais muitas vezes falham em apresentar respostas eficazes para
o eleitorado insatisfeito. O desafio das democracias é responder a essa onda
sem comprometer liberdades fundamentais."
Nos
últimos anos, observamos um crescimento significativo de movimentos
identificados como de "direita" ou "extrema-direita" em
diversas nações, especialmente na Europa. Países como Alemanha, França, Itália,
Portugal e Espanha têm visto o fortalecimento de partidos com discursos que
questionam o liberalismo cultural, a política migratória e o papel do
globalismo na economia e nos valores nacionais. No entanto, o rótulo de
"extremismo" atribuído a esses movimentos muitas vezes é utilizado de
maneira genérica, sem diferenciar entre uma reação democrática e manifestações
de radicalismo autêntico.
Os
fatores socioeconômicos e a insatisfação popular
Crises
econômicas recorrentes, combinadas com políticas de austeridade severas, têm
sido um dos principais motores da insatisfação popular em diversas nações
europeias. Desde a crise financeira de 2008, muitos países adotaram medidas de
corte de gastos e aumento de impostos para conter déficits orçamentários, o
que, na prática, resultou na precarização do trabalho, no enfraquecimento do
estado de bem-estar social e na redução do poder aquisitivo da classe média e
trabalhadora. Na Grécia, por exemplo, a crise da dívida soberana levou a uma
década de recessão, com cortes massivos em serviços públicos essenciais e um
desemprego que, em seu auge, ultrapassou os 27%. Situação semelhante ocorreu em
países como Espanha e Portugal, onde altas taxas de desemprego e a
instabilidade econômica geraram uma população descrente da capacidade dos
partidos tradicionais em oferecer soluções eficazes.
Além
disso, a globalização e a transição para uma economia mais tecnológica também
contribuíram para a erosão de indústrias tradicionais e postos de trabalho de
baixa qualificação. Regiões inteiras, antes prósperas devido à manufatura,
passaram a sofrer com desindustrialização, como se viu no norte da França e em
partes da Alemanha. Isso alimentou o sentimento de abandono por parte dos
governos centrais, levando populações afetadas a buscar alternativas políticas
que prometessem restaurar empregos e proteger a economia nacional. Esse
fenômeno não se limita à Europa; nos Estados Unidos, esse mesmo
descontentamento foi um dos fatores que impulsionaram a eleição de Donald Trump
em 2016, com sua retórica de revitalização da indústria nacional e proteção ao
trabalhador americano.
O
rótulo de “populismo”, frequentemente atribuído a esses movimentos, ignora o
fato de que grande parte da insatisfação vem de problemas concretos e não
apenas de manipulação política. Quando uma parcela significativa da população
sente que seu padrão de vida está em declínio, é natural que procure
alternativas que prometam resgatar a estabilidade econômica. A incapacidade dos
partidos tradicionais de atender a essas demandas tem sido um dos maiores
trunfos para o crescimento de forças políticas que desafiam o establishment.
Migração:
debate necessário ou discurso xenófobo?
A
questão migratória tornou-se um dos temas mais polarizados na política europeia
contemporânea, sendo frequentemente tratada de maneira binária: ou como uma
crise humanitária que exige acolhimento irrestrito ou como uma ameaça à
identidade nacional e à segurança pública. No entanto, a realidade é mais
complexa. O fluxo migratório em massa, especialmente após a crise dos
refugiados de 2015, quando mais de um milhão de pessoas entraram na Europa
fugindo de conflitos no Oriente Médio e na África, gerou desafios estruturais
significativos. Países como Alemanha e Suécia, que inicialmente adotaram
políticas de portas abertas, enfrentaram dificuldades na integração desses
imigrantes, desde barreiras linguísticas e culturais até a sobrecarga em
serviços públicos, como habitação, saúde e educação.
O
impacto no mercado de trabalho também é uma preocupação legítima para muitos
cidadãos. Embora alguns setores da economia europeia dependam da mão de obra
imigrante, especialmente em áreas como construção civil e serviços domésticos,
a concorrência gerada pela chegada de trabalhadores dispostos a aceitar
salários mais baixos pressiona o mercado e pode agravar a precarização do
emprego. Na Itália, por exemplo, agricultores relataram a substituição gradual
de trabalhadores locais por migrantes dispostos a aceitar condições salariais
inferiores, o que intensificou a rejeição popular a políticas migratórias mais
flexíveis.
Além
disso, questões de segurança foram levantadas em diversos países após atentados
terroristas cometidos por indivíduos que entraram na Europa através das rotas
migratórias ou que se radicalizaram dentro do continente. Embora a maioria dos
imigrantes não esteja envolvida em atividades criminosas, o aumento da
criminalidade em algumas regiões e a dificuldade de controle sobre fluxos
migratórios têm sido usados como argumentos por aqueles que defendem uma
abordagem mais rígida. Casos como os ataques de 2015 em Paris e o atentado de
Berlim em 2016 reforçaram a ideia, propagada por partidos de direita, de que a
imigração descontrolada pode ter consequências imprevistas.
No
entanto, restringir a imigração de forma indiscriminada também pode ter efeitos
negativos. A escassez de mão de obra em setores estratégicos, como saúde e
tecnologia, já se tornou um problema em países como Reino Unido e Alemanha, que
agora tentam atrair trabalhadores qualificados para suprir suas necessidades.
Dessa forma, o verdadeiro desafio não está em aceitar ou rejeitar a imigração
como um todo, mas em formular políticas que conciliem a proteção da identidade
e do mercado nacional com a necessidade de mão de obra e os princípios
humanitários.
Assim,
classificar qualquer questionamento sobre política migratória como xenofobia
desconsidera preocupações legítimas da população. O debate precisa ser
conduzido de maneira racional e equilibrada, sem reduções simplistas que
demonizem qualquer um dos lados. A Europa enfrenta um dilema real e complexo, e
apenas um diálogo franco e aberto poderá resultar em soluções eficazes.
Identidade
nacional: entre a preservação e a acusação de radicalismo
A
valorização da cultura nacional tem sido vista, por determinados setores
políticos e acadêmicos, como um sintoma de nacionalismo exacerbado e até como
um entrave à globalização e ao multiculturalismo. Entretanto, a necessidade de
preservar tradições, costumes e símbolos nacionais é uma realidade em muitas
sociedades, especialmente aquelas que passaram por períodos de intensa
imigração ou influência externa. Em países como França e Alemanha, por exemplo,
o debate sobre identidade nacional tem se intensificado à medida que políticas
de integração de imigrantes são implementadas sem uma consideração profunda
sobre o impacto na cultura local.
Na
França, o governo de Emmanuel Macron tem lidado com tensões sobre o uso do véu
islâmico em espaços públicos, com medidas restritivas que visam preservar o
caráter secular da nação, mas que, para críticos, são um ataque à diversidade
cultural. Já na Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD),
classificado por muitos como de extrema-direita, tem conquistado apoio ao
defender um retorno a valores tradicionais alemães, argumentando que a
imigração descontrolada dilui a identidade nacional. O ministro do Interior da
Alemanha, Nancy Faeser, alertou em diversas ocasiões para o crescimento de movimentos
nacionalistas, afirmando que “a democracia precisa se defender contra qualquer
forma de extremismo”, ao mesmo tempo em que setores conservadores acusam o
governo de promover censura ideológica.
Esse
embate levanta uma questão fundamental: até que ponto a valorização da cultura
nacional pode ser vista como uma ameaça à diversidade e à inclusão? Enquanto o
discurso progressista enfatiza a proteção de minorias e a ampliação dos
direitos sociais, frequentemente ignora o fato de que enfraquecer tradições e
símbolos nacionais também pode ser uma forma de intolerância. Em Portugal, por
exemplo, houve polêmicas recentes sobre a reavaliação de monumentos históricos
ligados ao período colonial, com setores defendendo a remoção de estátuas de
figuras históricas como o Infante Dom Henrique. Para muitos portugueses, essa
tentativa de reescrever a história nacional representa uma desconstrução
forçada da identidade do país, em vez de um avanço no debate sobre inclusão e
reparação histórica.
Redes
sociais e a politização do discurso
As
plataformas digitais revolucionaram o acesso à informação e a maneira como as
sociedades debatem temas políticos, sociais e culturais. No entanto, essa
abertura ao debate tem sido acompanhada por uma crescente politização dos
algoritmos e da moderação de conteúdo. Redes sociais como Facebook, Twitter
(agora X) e YouTube passaram a adotar políticas rigorosas contra a chamada
"desinformação", levando à remoção de conteúdos e perfis que
supostamente violam diretrizes comunitárias. O problema, segundo críticos, é
que essas diretrizes são frequentemente aplicadas de maneira seletiva,
beneficiando determinados grupos políticos enquanto silencia outros.
O
ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson, por exemplo, criticou abertamente
o papel das redes sociais na censura de discursos conservadores. Em 2021, ele
afirmou que "as big techs não podem substituir os parlamentos e definir
sozinhas os limites da liberdade de expressão". Em contrapartida,
autoridades da União Europeia, como a presidente da Comissão Europeia, Ursula
von der Leyen, têm pressionado as plataformas a intensificar o combate à
desinformação, especialmente em períodos eleitorais. Em outubro de 2023, a UE
lançou o Digital Services Act (DSA), uma lei que obriga redes sociais a remover
conteúdos considerados nocivos ou falsos. Para críticos, essa legislação pode
ser usada como uma ferramenta de censura, permitindo que governos e corporações
determinem unilateralmente o que é ou não aceitável no debate público.
O
conceito de "desinformação" também se tornou um campo de batalha
político. Nos protestos contra restrições sanitárias durante a pandemia de
COVID-19, postagens que questionavam medidas de lockdown ou vacinas foram
rapidamente removidas por violarem as diretrizes das plataformas, mesmo quando
vinham de especialistas renomados. Essa seletividade levanta a questão: quem
tem autoridade para definir o que é "desinformação" e o que é um
questionamento legítimo dentro do debate democrático? O risco de um controle
excessivo do discurso nas redes sociais é a criação de um ambiente onde apenas
uma visão de mundo tem espaço, minando um dos pilares da democracia — a
pluralidade de ideias.
Em
países como Itália e Espanha, políticos conservadores têm acusado as redes
sociais de silenciar vozes que questionam políticas migratórias, ambientais e
sociais. Giorgia Meloni, atual primeira-ministra da Itália, já declarou que “a
liberdade de expressão não pode ser seletiva” e que “quando gigantes da
tecnologia decidem quem pode ou não falar, estamos diante de um novo tipo de
totalitarismo digital”.
O
crescimento da censura digital e a politização do discurso nas redes sociais
mostram que a liberdade de expressão está cada vez mais sujeita a critérios
subjetivos. A polarização ideológica se reflete na forma como as opiniões são
validadas ou suprimidas, o que evidencia a necessidade de regras mais
transparentes e equitativas na moderação de conteúdo digital. O que está em
jogo não é apenas a proteção contra discursos violentos ou falsos, mas o
equilíbrio entre liberdade de expressão e controle da informação por entidades
privadas e governos.
Entre
o Medo e a Adaptação: Como os Partidos Tradicionais Reagem
A
ascensão de movimentos de direita e conservadores na Europa tem desafiado
partidos tradicionais, especialmente aqueles de centro e esquerda, que
historicamente dominaram o cenário político. Diante desse avanço, a resposta
dessas legendas tem variado entre a tentativa de adaptação e o confronto
direto. Alguns partidos de centro-esquerda buscaram incorporar discursos mais
nacionalistas e fortalecer políticas de segurança para tentar recuperar
eleitores que migraram para a direita. O Partido Socialista francês, por
exemplo, endureceu o discurso sobre imigração nos últimos anos, tentando frear
o crescimento da Reunião Nacional, de Marine Le Pen. Na Alemanha, a CDU (União
Democrata-Cristã) passou a defender um controle mais rígido das fronteiras,
reconhecendo que a questão migratória é uma preocupação legítima de muitos
cidadãos.
No
entanto, outra estratégia adotada tem sido a criminalização política dos
opositores. Em vez de debater propostas concretas, certos setores preferem
classificar qualquer movimento conservador como "extremista" ou
"antidemocrático", uma postura que, paradoxalmente, pode impulsionar
ainda mais esses grupos. Isso foi evidente na Espanha, onde o partido de
direita VOX tem sido sistematicamente associado a discursos de ódio por seus
adversários políticos, apesar de atuar dentro das regras democráticas. O
primeiro-ministro Pedro Sánchez tem insistido em alertar sobre o
"perigo" da extrema-direita, uma narrativa que, longe de desmobilizar
os eleitores desse espectro, tem fortalecido a percepção de perseguição
política.
Essa
estratégia de demonização pode se tornar um tiro pela culatra, pois tende a
reforçar a polarização e fortalecer a narrativa de que as elites políticas
estão desconectadas da realidade do povo. O crescimento do Fratelli d'Italia,
de Giorgia Meloni, é um exemplo disso. Durante anos, a esquerda italiana
retratou Meloni como uma ameaça à democracia, mas, ao assumir o governo, sua
gestão manteve compromissos com a estabilidade econômica e política, reduzindo
drasticamente o impacto dessas acusações. Assim, os partidos tradicionais se
encontram diante de um dilema: ou ajustam suas agendas para dialogar melhor com
os anseios populares, ou arriscam perder ainda mais espaço no tabuleiro
político.
Democracia
em risco ou apenas o jogo político?
Um
dos argumentos mais recorrentes contra a ascensão da direita é a ideia de que
esse movimento representa uma ameaça à democracia. No entanto, essa leitura
muitas vezes ignora um princípio básico da política: a alternância de poder é
essencial para a vitalidade democrática. Se um grupo político perde espaço e
outro cresce dentro das regras do jogo, não se trata de um risco ao sistema,
mas de um reflexo da insatisfação popular com os governos anteriores.
O
exemplo mais claro disso ocorreu na Itália. Quando Giorgia Meloni venceu as
eleições de 2022, veículos de imprensa e figuras da política europeia alertaram
para um suposto risco autoritário, comparando-a a líderes da era fascista.
Entretanto, após mais de um ano no poder, Meloni manteve a Itália alinhada à
União Europeia e não promoveu nenhuma mudança estrutural que ameaçasse a
democracia. O mesmo aconteceu com Donald Trump nos Estados Unidos: apesar das
polêmicas e do estilo agressivo, sua administração seguiu e tem seguido, neste
segundo mandato, os princípios do sistema democrático americano.
O
problema real surge quando a criminalização de uma corrente política passa a
ser usada como instrumento para restringir a competição eleitoral. Em países
como Espanha e França, há um esforço contínuo para associar a direita a
movimentos antidemocráticos, muitas vezes ignorando que a mesma crítica poderia
ser feita a setores da extrema-esquerda. O partido França Insubmissa, de
Jean-Luc Mélenchon, já foi acusado de minimizar atos violentos de militantes
radicais, mas raramente recebe o mesmo nível de condenação pública que partidos
de direita.
O
verdadeiro risco à democracia não está na ascensão da direita ou da esquerda,
mas na tentativa de silenciar opositores por meio da deslegitimação política. A
democracia não se fortalece com a supressão de ideias divergentes, mas com um
debate aberto, onde diferentes visões possam ser discutidas sem medo de
represálias ou censura.
O
recado das urnas: ouvindo o que a população tem a dizer
O
crescimento dos movimentos de direita na Europa não pode ser reduzido a uma
simples reação populista ou a um fenômeno passageiro. Ele reflete uma
insatisfação legítima com políticas que, por anos, ignoraram demandas de
segurança, identidade cultural e soberania econômica. Se os partidos
tradicionais continuarem a rejeitar essas preocupações como meras expressões de
extremismo, correm o risco de se tornarem cada vez mais irrelevantes no cenário
político.
Em vez de demonizar esses movimentos, é mais
produtivo analisar suas reivindicações e considerar até que ponto elas refletem
problemas reais na sociedade. A política é feita de ciclos, e a ascensão de
novos atores não significa necessariamente uma ameaça, mas sim um sinal de que
certos setores da sociedade não se sentem mais representados pelos partidos
tradicionais. A democracia não se fortalece com silenciamentos, mas com debates
sólidos, respeito à pluralidade de ideias e uma real disposição para ouvir o
que as urnas estão dizendo.